Na liturgia e devoção oriental, presa-se muito pela representação das figuras através de ícones. Mesmo que, desde a crise da figura iconoclasta e a perseguição na época de Constantino IV, ainda essas representações possuem uma verdadeira teologia para traduzir o mistério escrito. De fato, é impossível dizer sobre Aquele que não se diz. Mas, ainda assim, é possível compreender esse grande mistério da Trindade através da experiência de oração, através da expressão estética, escrevendo a beleza do ministério, ou seja, dizendo Aquele que é o Sumo Belo.
Ao contemplar o ícone de A. Rublev, é possível perceber de imediato, o movimento de circularidade das figuras, representando a categoria de consubstancialidade das Três Pessoas da Trindade: o Pai e o Filho e o Espírito Santo. São permanentes e eternamente relacionados, constituindo um único Deus ou a única natureza divina. As Três Pessoas são bem representadas na escritura do ícone, de modo que, um não ocupa o lugar do outro. Há um mistério total de copenetração que ao mesmo tempo as une e as diferencia. Percebe-se então a comunhão dos Três na pericorese, ou seja, no movimento de ciranda que existe.
Por isso, a personalidade de cada um é representada com suas devidas características. A unidade de Deus é sempre a unidade das Pessoas; o uno de Deus resulta dos Três. A figura inicial com olhar fixo – erguido – nas outras duas – inclinadas. Lembro-me aqui do Pai: fonte e origem de todas as coisas. No centro, percebo a figura do Filho, olhando para o Pai. Com isso, escreve-se a filiação, ou seja, Aquele que foi gerado pelo Pai. O Filho só é filho por causa da paternidade do Pai. Assim, a dignidade do Pai é passada para o Filho e nós, somos filhos adotivos, por causa da missão de Deus Filho, que é, pela Encarnação, redimir e salvar a humanidade. No outro lado, também com olhar voltado para a figura do Pai, temos a figura do Espirito Santo, que procede do Pai e do Filho. Este, sendo espirado do Pai, tem a missão de santificar. Mas, nessas representações, apesar de resguardar a singularidade de cada Pessoa, é preciso ressaltar que Deus é a Trindade.
Deus Pai é sempre o começo. Ele é sempre fonte e origem, mas não é originado. Deus Filho é o ungido do Pai, gerado na eternidade. O Pai é o autor da unção e Deus Espírito Santo é a própria unção que unge o Verbo Encarnado. Esse movimento de unidade e circularidade, convidam a contemplação de todos os elementos escritos para se entrar no mistério da Trindade. A Trindade só pode ser concebida como um jogo de mútuas relações de verdade e de amor. Esse movimento que partindo do Pai, passa pelo Filho e se consuma no Espírito.
Além disso, todas as figuras no plano de fundo evocam movimento, inclinados para a figura do Pai. Ele é o princípio e para Ele convergem todas as coisas. Ele é, ainda, o Télos – fim último de todas as coisas. Tudo está em movimento porque a vida é sair de si mesmo em direção ao Pai. Tudo si orienta para o mistério e encontro d’Aquele que tudo criou.
Portanto, o Pai, no seu modo de ser, realiza a criação. O Filho faz a experiência da Encarnação e salvação. O Espírito santifica. Na pericorese, a partir dessa representação iconoclasta, a Trindade, com os cajados nas mãos, tudo governam e, nesse banquete que realizam, oferecem à humanidade o alimento divino, mistério de comunhão. Posto isso, mesmo com a crise da iconoclastia, só através das figuras escritas é possível compreender a existência desse grande mistério da Trindade nas representações corpóreas. Só na contemplação podemos dar a devida adoração à Trindade e, assim, experimentá-La.