1ª LEITURA – Jr 20,7-9
Estes três versículos pertencem à última confissão de Jeremias. As confissões de Jeremias são narrações ao longo dos capítulos 11 a 20, onde o profeta chora as mágoas diante de Deus, briga, xinga, esperneia, mas acaba sentindo-se dominado pela sedução de Deus e sem forças para apagar o fogo da Palavra de Deus, que queimava no seu íntimo. Ele não conseguia abafar a Palavra Profética de Deus.
O texto de hoje começa com uma expressão muito forte. Jeremias se sente seduzido por Deus como uma mocinha é seduzida por um homem prepotente, que a agarra e a domina (cf. Ex 22,15). A linguagem é atrevida, ousada, mas retrata a angústia, ou seja, o beco sem saída, onde o profeta entrou, atendendo ao chamado de Deus: “Violência e opressão” sintetizam o que ele anuncia e o que ele sofre. Caçoadas, insultos e desprezos todos os dias é o que o anúncio da Palavra do Senhor está trazendo para ele. Ele não aguenta mais, mas se sente dominado pela Palavra. Não tem como fugir. Sempre que tentava a fuga da Palavra, ela queimava no seu íntimo como fogo. A Palavra de Deus “era como fogo reprimido” dentro do profeta, como lavas de um vulcão prestes a entrar em erupção, sem possibilidades de ser contida.
Esta confissão de Jeremias serve como termômetro para medirmos nossa atuação profética – anúncio e denúncia – e para avaliarmos o grau de fascínio e sedução que a Palavra de Deus está exercendo sobre nós como agentes de pastoral.
2ª LEITURA-Rm 12,1-2
O texto de hoje são apenas os dois primeiros versículos do fascinante capítulo 12 da carta aos Romanos. É o início da parte exortativa. Deus nos ama de modo admirável, sua misericórdia é infinita e é dirigida a todos. É por causa exatamente dessa misericórdia que Paulo pede correspondência e gratidão a este desmesurado amor de Deus. Antes de Cristo, o agradecimento era feito através de sacrifícios de animais. Cristo, fazendo-se cordeiro, substitui com o sacrifício de si mesmo todos os antigos sacrifícios. Agora, o modo de agradecermos é com a oferta de nós mesmos. É este sacrifício que agrada a Deus. Não recuarmos na luta é o nosso culto espiritual. Nós nos tornamos, de fato, como Cristo: sacerdote, oferta e templo. Mas o sacrifício de nós mesmos deve ser sacrifício santo, por isso devemos ter um estilo de vida diferente dos padrões do mundo.
O mundo vive mergulhado nas idolatrias do ter, do poder e do prazer. A luta contra estes ídolos é missão de cada um de nós. Nós devemos buscar uma transformação pela contínua renovação da nossa mente, que pode contaminar-se facilmente pela poluição do mundo. Devemos viver num esforço constante de conhecer e discernir qual é a vontade de Deus, o que lhe é agradável, o que é bom e perfeito. É claro que o apóstolo não nos quer induzir ao intimismo religioso, pois ao Pai não agradam a injustiça, a opressão e a desigualdade social entre seus filhos. Qual é a vontade de Deus no mundo caótico, onde vivemos? Será que Deus quer que fujamos do mundo e salvemos a nossa pele? Confira o evangelho de hoje antes de aventurar uma resposta.
EVANGELHO – Mt 16,21-27
Jesus, depois de acolher a profissão de fé da comunidade de seus discípulos, através dos lábios do seu líder – Pedro – começa um ensinamento novo, uma caminhada nova. Vai tirar da cabeça deles a falsa concepção do Messias glorioso, e ensinar-lhes o verdadeiro itinerário do Messias, que deverá morrer crucificado em Jerusalém, vítima da maldade humana e como consequência da sua fidelidade ao Pai. Assim ele vai revelando a verdadeira identidade do discípulo.
O itinerário do Messias e a reação de Pedro
Jesus revela que ele primeiro deverá ir a Jerusalém; segundo: deverá sofrer por parte dos donos da terra e do dinheiro – os anciãos; por parte dos donos da religião – os sumos sacerdotes; e por parte dos donos da verdade – os doutores da Lei. Essas três classes representavam o tríplice poder econômico, religiosos e ideológico, que massacrava o povo e eliminava os que pensavam diferente. Terceiro: que Ele será morto por essa elite que formava o Sinédrio, o tribunal supremo entre os judeus. Por fim, só depois de tudo isso, é que Ele ressuscitará no terceiro dia. A reação de Pedro não se faz esperar. Repreende a Jesus dizendo: “Deus não permita tal coisa, Senhor”! “Que isto nunca te aconteça”. Pedro nunca poderia aceitar tal destino para o “seu Senhor”! Ele está cheio de boa vontade para preservar Jesus da morte, mas Jesus, seguindo a vontade do Pai, quer fazer-se servo. Pedro, entretanto, seguindo a vontade humana, quer vê-lo sempre “Senhor”. Queremos sempre fabricar um Jesus segundo nossos caprichos! Para sermos cristãos, entretanto temos que aceitar o que Jesus é e o que Ele quer que sejamos.
A repreensão de Jesus e as exigências para o seu seguimento
A repreensão de Jesus, contrastando com o que ele acabara de dizer a Pedro (vv. 17ss) é escandalizante e arrasadora. Manda Pedro ir para trás dele com este terrível ponto de vista, simplesmente humano e contrário ao de Deus. O lugar do discípulo é atrás do Mestre, seguindo suas pegadas e não na frente,correndo o risco de ser pedra de tropeço e com o perigo de fazer Jesus tropeçar. É por isso que Jesus chama Pedro de Satanás e de pedra de tropeço. Com este episódio, Jesus revive a grande tentação de Satanás (cf. Mt 4,10) na proposta de Pedro. Em seguida, Jesus faz duas exigências aos seus seguidores. A primeira é a renúncia de toda ambição pessoal não apenas de reter nossos próprios pensamentos humanos, mas até mesmo de querer salvar nossa própria vida. Nossa vida deve estar sempre nas mãos de Deus, como está a do seu Filho. Fomos feitos para a entrega total. O centro de nossa vida está fora de nós mesmos. É no abandono que seremos acolhidos. A segunda exigência inclui a primeira: é tomar a cruz. Isto implica em risco total, entrega radical e confiança incondicional naquele que, quando vier na glória do Pai com seus anjos, retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta.
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo diocesano de Caratinga