1ª LEITURA – Sb 7,7-11
O livro da Sabedoria é o livro mais recente do Primeiro Testamento. Ele foi escrito por volta do ano 50 a.C. Salomão viveu cerca de 900 anos antes, mas por causa de sua sabedoria o livro foi atribuído a ele. Este livro surgiu entre os judeus que moravam em Alexandria no Egito. Sua finalidade é a defesa da identidade judaica no meio de uma cultura que idolatrava o poder, a riqueza, a saúde e a beleza. Nisto constava a felicidade para a cultura grega. Então, a pergunta fundamental era esta: o que torna alguém feliz e plenamente realizado? Esses bens terrenos, que escravizam ou a liberdade e a sabedoria que vem de Deus? Foi exatamente no Egito que o povo de Deus esteve oprimido por cerca de 400 anos. Deus o libertou para a vida. Voltar à escravidão é sinônimo de morte e de idolatria, ou seja, abandono e troca do Senhor por ídolos. Então, a verdadeira sabedoria para Israel está em discernir o que e como fazer para conservar essa liberdade. “Poder, riqueza, saúde e beleza, são bens perecíveis e escravizantes; não produzem segurança, não tornam o homem feliz nem o realizam. Inspirado na oração de Salomão (cf. 1Rs 3,7-12), o autor mostra a preferência da sabedoria diante de todos os bens da terra. A última frase mostra uma grande sabedoria, pois quem tudo renuncia por causa da sabedoria pode ter a certeza de que, com ela, ele readquirirá tudo de novo, mas agora estes bens serão adquiridos com o discernimento suficiente para não absolutizá-los, e sem se deixar influenciar por suas consequências como dependência, ganância, brutalidade, opressão. Talvez fosse interessante mostrar o caminho percorrido por “Salomão” na aquisição da sabedoria: “desejei… supliquei… veio a mim… preferi-a aos… amei-a mais que… quis possuí-la mais que… todos os bens me vieram junto com ela.” (vv.7-8.10-11).
2ªLEITURA – Hb 4,12-13
Estes dois versículos são um elogio admirável à Palavra de Deus (é uma palavra viva ou vivificadora; ela gera vida para quem dela se alimenta). Sabemos que toda a Bíblia é Palavra de Deus. Os versículos iniciais da carta aos Hebreus nos lembram que muitas vezes e de muitos modos Deus falou pelos profetas. E agora, no período final, Deus nos falou por meio do seu próprio Filho. Mas é São João quem vai nos ensinar claramente que a Palavra de Deus é o próprio Filho de Deus (cf. Jo 1,1ss), a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que assume a natureza humana. Então, hoje, podemos dizer: a Palavra de Deus é Jesus, é Deus no meio de nós. Com esta introdução nós podemos entender melhor este elogio maravilhoso do texto de hoje. A Palavra de Deus é viva ou vivificadora; ela gera vida para quem dela se alimenta. No Evangelho de João Jesus vai dizer: “Eu sou o Pão da Vida”. Ela é eficaz, quer dizer, ela sempre realizou o que anunciou (cf. Is 55,10-11). Agora, tornando-se gente em Jesus, ela é muito mais eficaz ainda. Ela é cortante, penetrante, profunda como a espada de dois gumes; penetra além do nosso discernimento, da nossa razão. Ela julga o que há de mais oculto em nós: pensamentos e intenções. Não há segredo para ela. Ela vê tudo com clareza e lucidez. É a ela que devemos prestar contas. “Prestar contas” insinua temor, medo. Para evitar isso lembremos que a Palavra é vida, coragem, força, bálsamo para nossa vida, incentivo na nossa caminhada. A Palavra, que é Jesus, é a expressão da ternura do Pai, é a misericórdia em pessoa no meio de nós. Jesus não veio para condenar, mas para salvar.
EVANGELHO – Mc 10,17-30
Estamos diante de um latifundiário, pois o termo para expressar a riqueza (em grego KTÉMATA) significa terrenos, propriedades (cf. Mt 19,22; At 2,45; 5,1). Ele tinha “muitos terrenos”. Curiosamente essas propriedades foram conquistadas legalmente (o que não era comum). Na verdade, esse rico era honesto e justo, pois Jesus não apenas constata que ele cumpre os mandamentos relacionados com a justiça social, mas ele próprio confessa que sempre caminhou na justiça (“desde a minha juventude”). Interessante que Jesus indica para possuir a vida eterna só os mandamentos relacionados com o próximo. Não faz nenhuma menção dos mandamentos relacionados com Deus. É que o amor a Deus se prova com o amor ao próximo. Vemos ainda uma outra qualidade incomum neste homem rico. Ele busca Jesus avidamente (“veio correndo”), ele adora Jesus (“Caiu de joelhos diante dele”); ele chama Jesus de bom mestre. Parece que ele quer ser discípulo de Jesus. Jesus também quer tê-lo como discípulo (“Jesus olhou para ele com amor”).
Talvez o homem tivesse o suficiente para ganhar a vida eterna, mas parece que lhe falta tudo para entrar no Reino de Deus. Jesus lhe diz que só lhe falta uma coisa. E esta coisa que lhe falta é tudo o que lhe sobra. Quem tem de sobra não entra no Reino, porque o que nos sobra não nos pertence e, afinal, a porta é estreita, não cabe quem quer entrar com muita coisa: “Vai, vende tudo o que tens e dê o dinheiro aos pobres… depois (só depois) vem e segue-me”. Os apóstolos fizeram isso com muita alegria, mas esse homem bom não foi capaz de fazê-lo. Ficou abatido e triste. Revelou no fundo o egoísmo próprio dos ricos; este egoísmo não estava já embutido na sua pergunta inicial? De fato ele perguntou “que devo fazer…” Será que podemos distinguir “ganhar a vida eterna” e “entrar no Reino de Deus”? A impressão é que “entrar no Reino de Deus”, fazer parte da comunidade de Jesus é algo mais exigente. A vida eterna se alcança no futuro, mas quem abandona tudo por Jesus começa aqui e agora uma vida que já é definitiva (já está recebendo cem vezes mais; só que tudo é acompanhado de perseguição).
Quem assume compromisso com Jesus que nada tem é sempre perseguido por aqueles que querem ter tudo, e que no seu poder se corrompem e se tornam injustos, violentos e contra os justos.
“É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”. Jesus apresentando esse grande contraste entre o tamanho do camelo e a pequenez do buraco da agulha, indica uma impossibilidade de salvação para o rico. Mas para Deus nada é impossível. Então parece que “rico” enquanto rico não se salva, mas Deus pode fazer o rico partilhar seus bens como fez com Zaqueu: portanto, deve ser na conversão, partilha e opção pelos pobres que está a chance de salvação para os ricos. O resto é confiar na infinita misericórdia de Deus!
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo Emérito Diocese de Caratinga