Jl 2, 12-18 Sl 51(50)
Estamos iniciando a quaresma, quarenta dias de preparação para a Páscoa. É tempo de revisão de vida e conversão. Tempo de olhar para dentro de nós mesmos e rever nossa caminhada. Tempo de oração mais intensa e mais frequente, tempo de jejum e exercício da caridade, da solidariedade e da compaixão. Tempo de penitência e purificação.
Iniciamos, hoje, a quaresma com a recepção das cinza em nossas cabeças para lembrarmos que somos pó e ao pó haveremos de tornar. As cinzas relembram a nossa transitoriedade, a pouca durabilidade da nossa vida. Mostra a nossa pequenez, humildade e fragilidade. São Francisco de Assis rezava dizendo que “somos um vermezinho, ínfimos servos de Deus.” Abraão, intercedendo por Sodoma e Gomorra (Gn 18,27), faz uma autocrítica: “Sou bem atrevido em falar ao meu Senhor, eu que sou pó e cinza”. Desejamos que todos possam viver uma quaresma bem intensa com orações, jejuns e pequenos sacrifícios e uma Campanha da Fraternidade de coração aberto para as propostas da Igreja. Estejamos abertos ao diálogo e à construção da paz e da unidade tão desejados por Cristo. Que sejamos também generosos com a Coleta da solidariedade que é tão importante para os projetos sociais da Igreja.
O profeta Joel anuncia o apelo de Deus: “Voltai-vos para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos, rasgai o coração e não as vestes e voltai para o Senhor vosso Deus. Ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo.” É um apelo dramático para a conversão interior, conversão do coração, pois Deus é pai do filho pródigo, que, com a volta do filho perdido, enche-o de beijos, reconsidera as suas prerrogativas de filho e faz festa, “pois este meu filho estava morto e retornou à vida, estava perdido e foi encontrado”. O pai se enche de alegria com a nossa conversão com o nosso retorno para ele.
2Cor 5,20-6,2
São Paulo, na segunda leitura, nos suplica: “Deixai-vos reconciliar com Deus”. Deus busca, continuamente, a nossa reconciliação com ele. Ele está sempre de coração aberto para nos acolher, para nos perdoar, mas, muitas vezes, o nosso coração é duro e nossos ouvidos surdos. A graça de Deus não nos falta, mas precisamos sair da nossa indiferença e não recebermos em vão a graça de Deus, pois Deus nos ouve no momento favorável e nos socorre no dia da salvação e esse dia já chegou e é agora.
Evangelho – Mt 6,1-6.16-18
Jesus no evangelho nos pede para evitar a vaidade e o orgulho, praticando a justiça, mas não para sermos vistos pelos homens. Se a intenção é esta: “sermos visto pelos homens”, no orgulho e na vaidade, perdemos a recompensa do nosso Pai que está nos céus. De nada nos adianta na caminhada espiritual.
Jesus nos fala dos três elementos básicos para uma vivência plena da quaresma: a esmola, a oração e o jejum. Ele insiste que estas três virtudes não devem ser vivenciadas para recebermos elogios, para sermos visto pelos homens, para nos vangloriarmos. A vaidade, o orgulho, o ensimesmamento roubam nossa recompensa, invalidam nossos esforços. Estes três elementos básicos para a vivência quaresmal (a esmola, a oração e o jejum) nos colocam em sintonia com o nosso próximo, com Deus e com nós mesmos. A esmola ou caridade se relaciona com o próximo, a oração nos relaciona com Deus e o jejum nos relaciona com nós mesmos. A esmola significa a caridade, a solidariedade, o compromisso com o próximo. Supõe a compaixão, o sentir o problema, a necessidade, a dor do outro, nosso irmão. Quem se compadece é capaz de praticar a caridade, é capaz de partilhar a vida com o outro necessitado. Quem não tem compaixão no relacionamento com o outro também não se relaciona com Deus ou consigo mesmo, pois quem diz que ama a Deus a quem não vê, mas não ama o seu irmão a quem vê, é um mentiroso, diz São João na sua primeira carta. O outro, empobrecido e necessitado, é a instância crítica do nosso relacionamento com Deus e com nós mesmos. É preciso que nos enchamos de sentimentos de compaixão e de amor para sermos cristãos de verdade. E Jesus nos pede que ao darmos esmola, nós devemos fazê-lo em segredo, sem tocar trombetas como fazem os hipócritas, nas sinagogas. Era costume no tempo de Jesus elogiar e destacar na sinagoga quem dava uma boa oferta. Este era chamado ao centro e deveria sentar-se no meio dos rabinos. Jesus deve ter presenciado isto muitas vezes, por isso ele os chama de hipócritas. Hipócrita significa ator de teatro. O ator representa uma outra pessoa e não a si mesmo, portanto esta atitude é uma comédia, é uma peça teatral. Jesus diz: “ao contrário, quando deres esmola que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta, enxergada apenas pelo Pai que neste caso vai lhe recompensar pelo gesto de caridade.
A oração é a maneira mais eficaz de entrarmos em sintonia com Deus. A quaresma nos propõe uma revisão da vida de oração. A oração é uma atitude filial, uma atitude de intimidade com o Pai. Não podemos esconder nada de Deus. Temos que rezar autenticamente. Nossas misérias, nosso egoísmo, nossos pecados devem estar presentes. Aliás, nada se passa oculto aos olhos de Deus. Nós não podemos enganá-lo. O que poderíamos fazer é enganar a nós mesmos. Jesus não quer que busquemos elogios pelas nossas orações, por isso elas devem ser feitas no escondimento, dentro do quarto com as portas fechadas, a sós com Deus. A oração brota de um coração arrependido e ao mesmo tempo alimenta em nós o desejo de conversão. Na oração é fundamental a atitude de humildade profunda, pois se trata da criatura se dirigindo ao seu criador, do filho dirigindo-se ao seu Pai do céu. O exemplo bonito que temos é a oração do publicano que de joelhos reconhece seu pecado. Esta oração Jesus aceita, ao mesmo tempo que ele repudia a oração do fariseu ensimesmado, cheio de arrogância, contando vantagens. Jejum significa penitência que é o desejo de conversão. O sacrifício do jejum e da penitência que fazemos não é masoquismo, buscar a privação por si mesma, gostar de sofrer. Aliás, Jesus pede para lavarmos o rosto e nos perfumarmos para não aparecer que estamos tristes, jejuando. A penitência deve ser acompanhada de um desejo intenso de mudar de vida, de reparar um erro, de uma atitude de conversão, de uma motivação espiritual. A penitência e o jejum devem ter um objetivo de mudança interior. O jejum nos aproxima mais de Deus, nos ajuda a sair de nós mesmos, a relativizar as coisas, a absolutizar somente a Deus em nossa vida. Ele melhora o nosso relacionamento com Deus, com o próximo e com nós mesmos. Até mesmo fisicamente o jejum é importante. Ele faz bem para a saúde do nosso corpo. É verdade que o jejum que a Igreja pede é muito simples. É tomar o café da manhã e abster-se de uma refeição durante o dia e nos intervalos não comer nada. Além disso, a Igreja prescreve o jejum e abstinência de carne só em dois dias da quaresma, ou seja, na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira da paixão. Mas somos livres para fazer jejum em outros dias da semana, com exceção do domingo que é o dia de festa por excelência, dia da ressurreição do Senhor. Somos livres para fazermos jejuns um, dois ou mais dias. Conheço gente que já fez espontaneamente jejum de tomar apenas água e não comer mais nada durante 21 dias. Mas isto é mais difícil. Para isto é preciso maiores experiências de jejum, além do que a Igreja prescreve. O jejum espontâneo deve ser decisão de cada um. Existe além do jejum da Igreja, o jejum de pão e água que consiste em comer um pedaço de pão, quando estiver com fome e tomar água, quando estiver com sede. É só não fazer os dois ao mesmo tempo. Pois pão com água fazem mal à saúde se ingeridos ao mesmo tempo. Existe também o jejum total ou absoluto que é só à base de água.
Somos aconselhados também a um sacrifício todas as quartas e sextas-feiras da quaresma. O importante é que tudo seja feito com espírito de caminhada interior para uma vida de maior comunhão com Deus e que só Deus fique sabendo destes nossos empenhos. Os sacrifícios que somos chamados, aconselhados a fazer durante a quaresma, como também todas as sextas-feiras do ano, lembrando a paixão e morte do Senhor, são variados. Pode ser a privação de alguma coisa que a gente gosta de fazer, por exemplo: deixar de assistir uma novela, não usar o celular durante o dia inteiro! Evitar coisas que não nos ajudam na vida espiritual e nos prejudicam na dimensão da saúde do corpo, da alma e do espírito. Podemos fazer sacrifícios de abstermos da bebida, do refrigerante, do café. Importante também é o jejum da língua para aqueles que gostam de falar demais ou mesmo de falar mal dos outros. Os jejuns e os sacrifícios podem ser feitos nas sextas-feiras da quaresma ou, quem sabe, a quaresma inteira. Isto nos faz muito bem e nos ensina o domínio de nosso corpo, dos nossos desejos, dos nossos instintos.
Queridos irmãos e irmãs que nossa quaresma seja bem vivida, que ela seja realmente um tempo de preparação para a Páscoa do Senhor. Que ela faça diferença em relação aos outros dias comuns da nossa vida, e que nós possamos chegar mais livres, mais purificados, mais santos no domingo da Páscoa do Senhor. Amém
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Administrador Apostólico da diocese de Caratinga