O que nós temos neste texto? A aliança de Deus com Abraão. Deus fez uma promessa a Abraão. Abraão acredita. Esta fé lhe é creditada como justiça. O sinal de que Deus vai cumprir sua promessa é dado no rito da aliança.
A aliança e seu rito – A aliança é sempre bilateral, quer dizer, as duas pessoas envolvidas tinham que assumir o compromisso. O rito da aliança era concluído assim: dividiam alguns animais e colocavam as partes uma diante da outra. Os contraentes passavam no meio. Quem violasse o contrato teria a mesma sorte dos animais. Interessante no nosso texto é que é só o Senhor Deus, através do símbolo do fogo, que passa entre os animais. Isto significa que o Senhor nunca será infiel à sua promessa de conceder vida e liberdade àqueles que nele confiam. Veja o texto forte de 2Tm 2,13: “Se lhe somos infiéis, ele, no entanto, permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo”.
A promessa – Deus promete duas coisas que eram as aspirações mais profundas de Abraão e de todo o povo da Bíblia: descendência e terra.
Justiça e fé – “A justiça do homem consiste em acreditar nas promessas de Deus, mesmo quando as aparências e fatos indicam o contrário, mesmo quando se espera contra toda a esperança (Rm 4,18 – cf. todo o capítulo 11 da carta aos Hebreus). Em sua polêmica, a salvação pela fé e não pelas obras da Lei, Paulo cita essa passagem de Gn 15,5 em Rm 4,3-9. É bom ler todo o capítulo 4. Cristo nos faz uma promessa de vida nova através da sua morte e ressurreição.
A carta aos filipenses pode ser lida como se fosse a compilação de três cartas escritas em momentos distintos. A primeira 4,10-20: agradecimentos pelos auxílios recebidos na prisão. A segunda seria uma exortação à unidade e notícias pessoais: 1,1-3 + 4,2-7 + 4,21-23. A terceira seria um ataque aos falsos doutores, inimigos da cruz de Cristo: 3,1b-4,1 + 4,8-9. Como vemos nosso trecho pertence à terceira carta. Ele nos apresenta de um lado os amigos da cruz de Cristo, onde Paulo é o modelo a ser imitado, do outro lado “os inimigos da cruz de Cristo”, um contramodelo a ser evitado. O interesse dos amigos da cruz de Cristo, os cristãos, está no céu. O interesse dos inimigos da cruz de Cristo está no ventre, etc.
Paulo – o modelo – Não se trata de um orgulho ou vaidade de Paulo. Aliás, os filipenses são convidados a observar não apenas Paulo, mas também os que vivem com a mesma coragem de fazer uma opção radical por Cristo (cf. 3,7-8; 1,21). No fundo, a preocupação de Paulo é ajudar os filipenses a distinguir os verdadeiros dos falsos líderes e se colocar como ponto de referência para os filipenses, diante do contratestemunho dos inimigos da cruz de Cristo. Onde está o interesse dos que são de Cristo? No céu, pois eles, mesmo atuando na terra, já são cidadãos do céu. A espera do retorno de Cristo é ansiosa, pois, com seu poder, ele vai transformar o nosso corpo, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso. Eis a importância do respeito ao corpo, pois nosso corpo tem um destino glorioso.
Os judaizantes – o contramodelo – Os inimigos da cruz de Cristo são os judaizantes, são os que não acreditam no valor salvífico da cruz de Cristo. A salvação deles ainda está no fiel cumprimento da Lei antiga, levando a sério a distinção entre os alimentos puros e impuros (= o deus deles é o estômago), vendo na circuncisão (=o que é vergonhoso) o sinal da pertença ao povo de Deus e, portanto, sinal da salvação. Mas Paulo garante que o fim deles é a perdição, pois seus pensamentos estão nas coisas da terra, não nas coisas do céu (cf. Cl 3,2).
É o Evangelho da transfiguração, embora Lucas não use esta palavra, para seus leitores vindos do paganismo não confundirem o episódio com uma metamorfose das divindades pagãs. Lucas diz que o rosto de Jesus mudou de aparência.
Enquanto rezava, Jesus se transfigura. Jesus está sobre uma montanha para rezar e leva consigo Pedro, Tiago e João. A montanha é um lugar de oração a sós. O Jesus de Lucas está sempre rezando, principalmente, antes de decisões importantes. A montanha relembra também o lugar de tentações de um projeto mundano. Mas Jesus vence o demônio e consolida o projeto divino de salvar os homens através da cruz. Durante a oração Jesus se transfigura.
Moisés e Elias aparecem na glória e conversam com Jesus sobre seu êxodo em Jerusalém. Moisés representa a Lei; Elias representa os profetas. É que as promessas do Primeiro Testamento vão se realizar em Jesus. Para Lucas este v. 31 é o ponto alto do episódio. O que significa o êxodo de Jesus? A palavra relembra toda a caminhada da libertação do povo do Egito até à Terra Prometida. Jesus também quer libertar o povo oprimido. Isto ele vai fazer superando as tentações do comodismo, do egoísmo e triunfalismo e subindo para Jerusalém numa subida sem retorno, para lá enfrentar a morte e de lá continuar sua subida ou êxodo até à casa do Pai (cf. 9,51 que marca esta decisão de Jesus).
Eles dormiam. Quando acordaram viram a glória de Jesus. Quando Moisés e Elias iam se afastando, Pedro sem saber o que estava dizendo, mas sentindo a paz das alturas, propõe fazer três tendas, querendo prolongar aquela cena. Ele não sabia que a transfiguração-ressurreição só acontece depois do Calvário. Nisto foram recobertos com a sombra de uma nuvem que representa a presença de Deus, daí o medo.
Da nuvem Deus declara: “Este é meu Filho, o escolhido, escutem o que ele diz”. Jesus é o Filho, superior aos servos Moisés e Elias. Só que ele vai assumir a missão de “Servo do Senhor”, o escolhido (cf. Is 42,1) para a libertação-transfiguração do seu povo através da cruz. O Primeiro Testamento conduz a Jesus e se eclipsa com a sua chegada. A única voz autorizada agora é a de Jesus. Diante desse mistério, ainda incompreensível, os discípulos se calam.
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo Emérito da Diocese de Caratinga