1ª LEITURA -1Rs 19,9a.11-13a
O texto nos situa no tempo de Acab (séc. IX a.C.), quando Israel estava trocando Deus por Baal. Baal era o deus que fertilizava a terra, o deus da tempestade, do trovão e do raio. A idolatria dominava, imposta ao povo pela esposa do rei, a rainha Jesabel. Para restaurar a fé em Deus, Elias enfrenta o rei Acab, a rainha Jesabel e os profetas de Baal, matando de modo violento 400 de uma vez (1Rs 18,40). Perseguido, tem que fugir. Ele vai parar no monte Horeb = Sinai, onde Deus já havia se manifestado a Moisés através do furacão, terremoto e fogo (cf. Ex 33,18-23). Elias quer revigorar suas forças na fonte do javismo, ou seja, na fé do verdadeiro Deus, o Deus de Moisés. Ele quer talvez voltar mais forte e mais violento. Mas, ali, acontece um fato curioso. Deus não quis mais manifestar-se nos fenômenos da natureza como outrora, talvez para dizer que ele é o totalmente outro, completamente diferente de Baal. Talvez para dizer ainda que ele é capaz de gerar vida nova, é capaz de novos métodos, de novo modo de se apresentar. Quem sabe o episódio traga até mesmo uma censura aos métodos violentos, que o profeta Elias acabara de usar para restaurar a fé no meio do povo?
O que aconteceu? Deus não apareceu no vento forte, nem no terremoto, nem no fogo. Surpreendentemente, Deus se manifestou num murmúrio de uma brisa suave. O profeta se refaz com uma nova experiência de Deus; não mais um Deus que incute medo e pavor, mas um Deus cativante e sereno, suave como a brisa da manhã. Nas lutas de cada dia contra as injustiças e explorações dos mais fortes sobre os mais fracos, é necessário um encontro restaurador das forças com o Deus de amor, que nos acolhe e acaricia com a suavidade de uma brisa!
2ª LEITURA – Rm 9,1-5
Paulo, como Elias, está também preocupado com a fé do seu povo. Ele diz: “Tenho um grande pesar e uma dor contínua no meu coração”. Esta dor vem do fato de seu povo não ter aceito o Cristo. A dor de Paulo é realmente profunda. A solenidade do 1º versículo mostra isso, quando ele chega a apelar para o testemunho do Espírito Santo. O v.3 é uma prova mais forte do sentimento de Paulo, pois, como Moisés, que desejou ser riscado do livro de Deus, se Deus não perdoasse ao seu povo (Ex 32,32), Paulo se mostra capaz de desejar para si a maldição de Cristo (= ser anátema), se isso ajudasse na conversão de Israel, que são seus irmãos na carne. Ele veio tentando em todas as suas viagens converter o seu povo, mas só encontrou rejeição. É verdade que muitos acolheram a fé cristã, mas o povo como um todo a rejeitou. E o assunto é levado tão a sério que a esta incredulidade Paulo vai dedicar os capítulos 9 a 11 da carta aos Romanos. Aqui, nos versículos 4 a 5, o apóstolo com o coração trespassado de dor, mostra como Deus é fiel e ama seu povo. Ele descreve os oito privilégios que Deus consagrou a Israel: a adoção filial, a glória, pois Deus habita no meio do povo, principalmente com a vinda de Cristo; as alianças, a lei, o culto, as promessas, os patriarcas e o próprio Cristo segundo a carne. Aquele que Deus mais amou oferece tanta resistência e rejeição! Isto é muito doloroso para o coração do apóstolo! E nós cristãos? Será que correspondemos à altura do amor de Cristo por nós? Paulo está tão intimamente ligado a Cristo que, quando ele toca em seu nome, ele prorrompe num hino e louvor, reconhecendo a soberania e a divindade de Cristo para sempre: “o qual está acima de tudo, Deus bendito pelos séculos! Amém.
EVANGELHO – Mt 14,22-33
PRIMEIRA OBSERVAÇÃO
Depois de várias leituras deste texto, com a ajuda de alguns estudiosos, chamou-me a atenção o fato deste episódio conter diversos elementos diferentes dos habituais. Isto nos leva a crer: 1º) Na intenção clara do evangelista de apresentar um episódio de revelação da divindade de Jesus, mais forte do que os habituais através de milagres. 2º) Leva-nos a supor que este episódio não aconteceu durante a vida pública de Jesus, mas após a ressurreição, como em Lc 24,13-35 – os discípulos de Emaús – e Jo 21,1ss – aparição de Jesus à margem do Lago de Tiberíades. Quais são estes diversos elementos?
1º) “Jesus sobe ao monte para orar a sós” e se prolonga até alta madrugada em sua intimidade com o Pai. Parece normal, mas, sozinho, Mateus só mostra Jesus rezando duas vezes. A outra é em 26,36ss.
2º) “A quarta vigília da noite”, traduzida por “entre as 3 e a 6 horas da madrugada, relembra o amanhecer da ressurreição de Jesus (cf. Mt 28,1; Mc 16,2; Lc 24,1; Jo 20,1).
3º) “Andando sobre o mar” aparece duas vezes. Isto é coisa própria de Deus (Jó 9,8; 38,16). É claro que Jesus é o “Deus conosco”, mas Jesus não se revela tão claramente assim no evangelho de Mateus, salvo exceções, como no batismo, transfiguração e outras poucas vezes.
4º) “Fantasma”. Os discípulos têm dificuldade de ver o Jesus humano com clareza (cf. Lc 24,13ss).
5º) “Sou eu”, é a forma da revelação de Deus no Antigo Testamento. João usa muito para mostrar Jesus como revelador do Pai e sua identidade divina.
6º´) O medo e a expressão “Não tenham medo” aparecem claramente em contexto de manifestações divinas e após a ressurreição de Jesus (cf. Mt 28, 5-10).
7º) “Fé e dúvida” (cf. Mt 28,17, e a dúvida de Tomé em Jo 20,24ss), em ambos os casos após a ressurreição).
8º) Os discípulos “se ajoelharam diante de Jesus”. Reconheceram por este gesto claramente que Jesus é Deus (cf. Mt 28,17).
9º) “De fato, Tu és o filho de Deus”. É a confissão de fé na divindade de Jesus (cf. Mt 28,17).
SEGUNDA OBSERVAÇÃO
Vemos uma clara intenção missionária no episódio. Jesus manda os discípulos em missão para o território dos gentios (o outro lado do mar) para exercitarem o que acabaram de aprender (episódio da multiplicação dos pães, ou seja, para terem compaixão do povo, para curá-los, para partilharem suas vidas com eles e ensiná-los a partilhar entre si o pão da palavra e o pão da vida. O mar representa o chão da vida, mas suas ondas violentas trazem a idéia dos obstáculos, rejeições e dificuldades na caminhada missionária da Igreja. Aliás, a resistência do vento contrário mostra isso claramente, pois é mais fácil e cômodo uma religião que gera vida com milagres triunfalistas, que trazem glória, do que com a partilha da própria vida, que provoca dor e rupturas. A barca é, sem dúvida, a figura da Igreja – comunidade em sua missão no mundo, oscilando em meio às dificuldades.
TERCEIRA OBSERVAÇÃO – O EPISÓDIO DE PEDRO
É claro que Pedro representa todas as comunidades cristãs com seu desejo de se aproximarem de Jesus, ou seja, com seus desejos de divinização ( “andar sobre as águas”), mas por meios miraculosos. A missão verdadeira implica na difícil travessia do mar da vida e no encontro com os irmãos distantes – o outro lado do lago. É este o caminho do encontro com Jesus. Isto supõe fé na ressurreição, que só acontece depois da subida do calvário da vida. A fé da comunidade ainda é fraca. Merecemos a repreensão de Jesus. O triunfalismo do encontro fácil com o Senhor pode afundar a Igreja. Mas de qualquer maneira devemos, nas horas difíceis, gritar como Pedro: “Senhor, salva-nos”. E nas horas tranquilas professar com os discípulos: “De fato, Tu és o Filho de Deus”.
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo diocesano de Caratinga