1ª LEITURA – Est 5,1b-2;7,2b-3
Não estamos diante de uma história no sentido moderno, mas diante de uma espécie de conto ou novela, que analisa a situação da comunidade judaica no meio das nações. O livro de Ester tem uma primeira redação em língua hebraica, que é da metade do século IV a.C. Dois séculos depois, este texto foi traduzido para o grego (metade do séc. II, e consideravelmente ampliado. Em algumas Bíblias, o texto grego está escrito com letra diferente, e, após o número do versículo, temos uma letra do alfabeto, que se prolonga até o próximo versículo do original hebraico. Exemplo: o texto de hoje começa no capítulo 5,1b. Na Bíblia – Edição Pastoral – temos, no capítulo 5º, o versículo 1º do original hebraico, em seguida temos os versículos 1a, 1b, 1c, 1d, 1e, 1f, dos acréscimos da tradução grega.
O livro ensina uma espiritualidade de resistência e tenta preservar a sobrevivência da comunidade judaica perseguida e oprimida no meio das nações estrangeiras. Procura encorajar o povo sofrido e dar-lhe esperança através da resistência. Busca exercer influência sobre o poder para dar ao povo judeu condições de sobrevivência. O cenário do livro é da época do domínio persa, no tempo do rei Assuero ou Xerxes (485-465 a.C.).
Ester, no auge de sua beleza física e com profunda confiança no Deus da vida, apresenta-se ao rei para tentar interceder em favor do seu povo, sobre quem já pesava uma sentença de morte, conseguida pelo inimigo do povo judeu, o primeiro ministro Amã. A rainha conquista o rei com sua formosura e o rei lhe promete a metade do seu reino (7,26). A rainha não pensa egoisticamente; seu coração está voltado para a libertação e vida do seu povo. Eis seu pedido: “Se o Senhor quiser fazer-me um favor, se lhe parecer bem, o meu pedido é que me conceda a vida, o meu desejo é a vida do meu povo (7,3)”. É assim que a rainha Ester salva o seu povo judeu e mostra que Deus não está distante, nem dormindo. É através dos pequenos, fracos e oprimidos que Deus liberta seu povo.
As comunidades cristãs estão sendo perseguidas. O autor apresenta dois sinais para iluminar a vida daqueles que se sentem sucumbidos pelas forças negativas do anti-reino.
“Uma mulher vestida com o sol, tendo a lua debaixo dos pés, e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”(v.1). Interessante: o segundo sinal é aparentemente maior que o primeiro, mas este primeiro é que é chamado de grande. Por quê? Certamente é grande aos olhos de Deus na sua pequenez e fragilidade – uma mulher grávida. “Deus derruba dos tronos os poderosos e exalta os humildes”. Esta mulher tem a grandeza das coisas de Deus. Suas vestes revelam sua identidade. O sol que a reveste indica que ela é protegida por Deus, a lua sob seus pés indica que ela está pisando no chão da história do seu povo, e e a coroa sobre sua cabeça aponta para a vitória. As doze estrelas relembram o povo de Deus (12 tribos – Primeiro Testamento; 12 apóstolos – Segundo Testamento). Quem é essa mulher resplandecente e majestosa? Como figura simbólica, ela se reveste de vários significados. É a mãe da humanidade, relembrando Eva (Gn 3,15-16). É a esposa de Javé recordando Israel/Sião. É a Igreja perseguida, mas já, antecipadamente, vitoriosa. É, sem dúvida, Maria, que deu a luz ao filho – Jesus Cristo – que será arrebatado aos céus (v.5).
“Apareceu, então, outro sinal no céu: um grande Dragão cor de fogo. Tinha sete cabeças e dez chifres. Sobre as cabeças sete diademas”. (v.3). Tudo indica monstruosidade e poder. Aparentemente, é mais forte que o primeiro sinal. Representa as forças da morte. Sintetiza os males do antirreino: egoísmo, orgulho, autossuficiência e tirania. Veja a mídia e descubra o que é mais aparente: o bem ou o mal? Veja os governos, os impérios do poder e do dinheiro e observe suas ações. Estão do lado do Reino ou do anti- reino, do lado de Cristo ou do anticristo?
O que pretende este dragão? Pretende devorar o Filho que vai nascer: ele quer destruir a semente de vida e libertação; ele quer destruir tudo o que é fonte de vida. Mas ele não consegue. Ele é apenas aparentemente forte, mas sua força é limitada. A vitória final é do mais forte: Nosso Senhor Jesus Cristo. A mulher, já como símbolo da Igreja perseguida, foge para o deserto, onde é protegida por Deus como Israel o foi.
Deus não abandona o seu povo.
O esquema deste trecho pode ser visto assim:
A mãe de Jesus simboliza o resto fiel (vv. 1-5).
Se observarmos o 1,35 e o 1,43, “no terceiro dia” é uma indicação do 6º dia que relembra a criação do homem (cf. Gn 1,26ss). João quer mostrar as Bodas de Caná como a nova humanidade da qual Jesus vai ser o esposo. A frase “a mãe de Jesus estava ali” é paralela à frase “havia ali seis talhas de pedra”. A mãe e as talhas simbolizam o Primeiro Testamento. A mãe, o que restou de mais puro, fiel e santo, simboliza a fé e a esperança no Deus das promessas. As talhas, toda a imperfeição e infidelidade do povo da Antiga Aliança. O v. 2 mostra que Jesus com seus discípulos foram convidados, enquanto a mãe já estava lá. Jesus e os seus não pertencem à Antiga Aliança.
O vinho, símbolo do amor conjugal (cf. 1,2) e da alegria, tinha acabado no meio do povo da Antiga Aliança. Quer dizer, a Antiga Aliança de amor entre Deus e o seu povo perdeu o sentido, deteriorou-se. A mãe de Jesus tem consciência e busca socorro em quem pode socorrer. A mãe dialoga com o Filho.
Constata a realidade e dá ordem aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Eis o grande papel de Maria: apontar-nos Jesus. É ele quem traz a solução para todos os problemas. É ele a realização das promessas.
A expressão “mulher” com a qual Jesus se dirige à sua mãe é simbólica. Ela retorna em 19,26, onde a mãe de Jesus se torna a mãe da Nova Aliança, da nova comunidade de amor. Aparece também aplicada em 4,7, onde a Samaritana simboliza a Antiga Aliança infiel (com 5 maridos: o Pentateuco, ou seja, os cinco primeiros livros da Lei) e em 20,15, onde Maria Madalena simboliza a esposa da Nova Aliança, recomeçando a vida no jardim como o primeiro casal do livro de Gênesis.
Os servos e os discípulos que obedecem e acreditam representam a Nova Aliança, esposa do Messias – esposo.
Mencionando as seis talhas de pedra, o evangelista lembra a imperfeição da Antiga Aliança (“seis”, número imperfeito. O número perfeito é sete). “Pedra” aponta para as Tábuas da Lei, que eram de pedra). As talhas eram para a purificação dos judeus, mas estavam vazias. O povo descuidou totalmente do seu relacionamento com Deus. A Antiga Aliança perdeu seu sentido.
A ordem de Jesus é encher as talhas e levar ao mestre-sala. Ele vai trazer um novo tipo de purificação, mas não através da lei. Observe que o milagre acontece fora das talhas. Os serventes tiraram água das talhas ( Lei). Quando entregam ao mestre-sala já é vinho. Jesus vai restituir a alegria àquele casamento que simboliza agora a Aliança Nova que será realizada em seu sangue. Ele é o esposo da Nova Aliança. A hora de Jesus, que é o momento de sua doação total na cruz, é antecipada por intercessão da mãe; e o milagre acontece. O mestre-sala prova do vinho e percebe sua qualidade, mas não conhece sua origem.
Acha que o noivo tinha guardado o melhor vinho para o fim. O mestre-sala simboliza aqueles que não reconhecem o dom messiânico, que Deus faz em Jesus, o verdadeiro esposo da humanidade nova, o esposo da Nova Aliança.
Este foi o primeiro sinal de Jesus. Qual é a finalidade dos sinais: – manifestar a glória de Jesus que é a mesma glória de Deus (cf. 17,1) e suscitar a fé dos discípulos (cf. v.11b).
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo diocesano de Caratinga