1ª LEITURA – Ex 12,1-8.11-14
Este capítulo foi escrito durante o Exílio Babilônico (586-538a.C.). Nessa época as duas festas, a da Páscoa e a dos Ázimos, estavam sendo celebradas juntas. A Páscoa, primitivamente, era a festa do nascimento das ovelhas na Primavera. “Nesta época o sangue dos cordeiros era derramado em volta do acampamento, para espantar os maus espíritos, que poderiam prejudicar a fecundidade dos rebanhos”. Esta festa foi depois adaptada ao Êxodo. A festa dos pães ázimos era uma festa agrícola, que foi associada à festa da Páscoa, depois da reforma de Josias (622 a.C.). As duas festas juntam queriam lembrar a libertação do Egito. O mesmo Deus, que libertou o povo do Egito (séc. XIII a.C.) pode de novo libertar o povo da opressão babilônica (séc. VI a.C.).
O texto de hoje é um memorial da Páscoa. Pretende atualizar a libertação de Deus em favor de seu povo, que, agora, está oprimido não mais no Egito, mas na Babilônia. O trecho aponta para uma vida nova, para a libertação. Isso só pode acontecer através da solidariedade, do serviço do outro, da partilha. O cordeiro, ou o cabrito, deve ser partilhado com todos. Nada deve ser guardado. O que sobrar deve ser queimado (v. 10). É uma festa da preservação da vida. O sangue passado na moldura das portas é sinal da proteção de Deus contra o sistema opressor que será castigado. Carne assada, pães sem fermento e as ervas amargas, cinto na cintura, pés calçados, cajado na mão lembram a pressa, a disposição para a partida, a libertação das amarguras do Egito. É a Páscoa-passagem do Senhor. Ele vai passar ferindo o Egito e libertando o seu povo. Este memorial deverá ser celebrado como instituição perpétua. A Páscoa judaica prefigura a Páscoa cristã que conserva alguns elementos da antiga; o início de uma nova era, a partilha, a preservação da vida e o memorial da ação de Deus em favor do povo.
2ª LEITURA – 1Cor 11,23-26
A Eucaristia é um memorial das ações de Deus através de Jesus em favor do seu povo. A Eucaristia é memória viva de Jesus. É o sinal que anuncia a sua morte e ressurreição para nós, no período entre a sua partida e o fim, ou seja, a sua nova vinda. É interessante que Paulo a recebe do Senhor e a transmite para a comunidade turbulenta e dividida de Corinto, para gerar comunhão e vida.
É a primeira vez que se coloca por escrito a tradição do rito eucarístico. Depois vai aparecer o texto dos evangelhos com pequenas variações. A ceia eucarística, ou a Páscoa cristã, foi celebrada por Jesus pela primeira vez na quinta-feira santa, exatamente, na noite em que ele foi traído por Judas. Depois da ação de graças, Jesus parte o pão, dizendo que aquilo é o corpo dele. Este corpo é entregue por nós, ou seja, para a nossa salvação. E Jesus pede que repitamos este gesto para celebrar sua memória. Depois da ceia, Jesus toma o cálice com vinho, afirmando que aquele cálice é a nova aliança em seu sangue, e repete, dizendo que sempre que dele bebermos, devemos fazê-lo em sua memória. Este gesto será sempre o anúncio da morte do Senhor até que ele venha. Estamos diante do supremo gesto da entrega de amor por nós, que será realizado na cruz, mas celebrado com antecipação.
É bom frisar que pão e vinho são, não apenas símbolos, mas sinal. O símbolo é apenas uma representação. O sinal é muito mais que o símbolo, pois o sinal contém a realidade para a qual ele aponta. Como a fumaça contém o fogo, assim os sinais eucarísticos do pão e do vinho contêm a vida de Jesus doada por nós. Contêm seu amor salvífico. Eucaristia é alimento de vida. É comunhão de amor em torno do Corpo de Cristo, que formamos como comunidade. Quem não vive em comunhão com a comunidade-corpo-de-Cristo, não pode receber o sinal da comunhão eucarística.
EVANGELHO – Jo 13, 1-15
O lava-pés narra o significado da Ceia Eucarística, que é partilha de vida através do serviço mútuo. É curioso que João não narra a ceia, nem faz referência à Páscoa dos judeus, apenas diz que tudo aconteceu durante a ceia e foi antes da festa da Páscoa. É que Jesus rompe com o judaísmo, com seus dirigentes, com seu sistema opressor. Jesus abre uma nova era. Institui uma nova Páscoa, onde o serviço ao outro, a partilha, a comunhão são os elementos básicos. A introdução é muito solene. Nela se exprime a consciência clara, que Jesus tem, de que a hora de sua entrega total havia chegado. Ele a assume conscientemente. O verbo “saber” aparece diversas vezes, salientando esta consciência. Seu amor é levado à plenitude. O antiprojeto do diabo já havia se instalado no coração do traidor Judas.
O LAVA-PÉS COMO EXPRESSÃO DE SERVIÇO
Jesus tira o manto, que é sinal de dignidade, e pega uma toalha-avental, que é sinal de serviço. Quer dizer, o Senhor se torna servo. Não se diz o nome do primeiro apóstolo, cujos pés Jesus lavou. O evangelista quer salientar que o amor não tem preferências. Jesus faz tudo sozinho, para mostrar que seu serviço é total. É total e vai até à cruz, pois Jesus, depois, retoma o manto da sua dignidade sem tirar o avental do seu serviço. Isto significa que ele volta à posição de homem livre, mas conserva sua disposição de servir até o fim.
Pedro não quer que Jesus lave seus pés, pois ele não rompeu ainda com o sistema de classes. Ele é súdito e Jesus é o Senhor. Pedro ainda não aceita uma comunidade, onde todos são iguais. Ele legitima a desigualdade de classes. Mas Pedro precisa se converter, do contrário não terá parte com Jesus. É só diante desta ameaça que Pedro muda, mas continua entendendo o lava-pés como um simples rito de purificação e não como a essência da vida cristã, ou seja, serviço mútuo. O rito da purificação não diz tudo, pois Judas também participou e continuou sujo com seu antiprojeto de morte. No final, Jesus dá explicação de sua atitude. Ele é, realmente, o Mestre e Senhor, mas lavou os pés dos discípulos, para eles seguirem seu exemplo, lavando os pés uns dos outros, ou seja, colocando-se a serviço uns dos outros como um servo que não busca recompensa.
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo diocesano de Caratinga